Santa Catarina: o novo destino da migração brasileira

Santa Catarina: o novo destino da migração brasileira

17 de novembro de 2025 Off Por Editor



  • O que leva os catarinenses a liderarem a lista de Estados mais atrativos do Brasil

    Historicamente, os principais destinos da migração interna brasileira estiveram concentrados no Sudeste, especialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, que, ao longo do século 20, absorveram grandes fluxos vindos sobretudo do Nordeste. No entanto, esse padrão começou a mudar nas últimas décadas. Dados do último Censo mostram que Santa Catarina, antes vista como receptora principalmente de fluxos internos de curta distância, emergiu como destino de destaque em nível nacional. A combinação de baixos índices de violência, bons indicadores de emprego e renda, além de um ambiente urbano mais seguro e organizado, colocou o Estado no mapa dos migrantes que antes priorizavam o Sudeste. Entre 2017 e 2022, Santa Catarina recebeu mais de 500 mil pessoas oriundas de outros lugares do país. Os dados revelam que o Estado obteve o maior saldo migratório absoluto e proporcional do Brasil, com mais de 350 mil novos residentes, descontadas as saídas. A movimentação populacional tem origem diversa: Rio Grande do Sul (135 mil), Paraná (cerca de 95 mil), São Paulo (aproximadamente 60 mil) e Pará (45 mil) lideram os fluxos. A chegada em massa de novos moradores tem transformado o cotidiano de municípios catarinenses, impulsionada por indicadores robustos de trabalho e renda na região. No trimestre encerrado em março deste ano, Santa Catarina registrou desemprego de 3% (o menor do país, contra 7% na média nacional), com forte demanda por profissionais qualificados, sobretudo na indústria e nos serviços. O Estado também lidera em formalização, com 25% de informalidade (quase 40% no Brasil), e tem nível de ocupação de 66%, atrás apenas do Mato Grosso. O rendimento médio é de R$ 4 mil, cerca de 17% acima da média nacional. Na segurança, Santa Catarina alcançou no primeiro semestre de 2025 a menor taxa de mortes violentas da série histórica: 3,9 por 100 mil habitantes. Os homicídios caíram 20% em relação ao ano anterior, para 2,8 por 100 mil, e 70% dos municípios não registraram nenhum caso — fator que reforça a atração do Estado para migrantes internos.

    Municípios de Santa Catarina enfrentam desafios com o crescimento

    A Federação de Consórcios, Associações de Municípios e Municípios de Santa Catarina (Fecam) considera o aumento populacional no Estado como parte de um processo contínuo e já perceptível há anos. Segundo o presidente da entidade e prefeito de Florianópolis, Topázio Neto (PSD), os municípios catarinenses têm lidado com impactos variados desse crescimento, especialmente nas regiões litorâneas e nas cidades de maior porte, onde a chegada de novos moradores impõe desafios diferentes à gestão pública. “De certa forma, ninguém se preparou para isso tudo, não”, afirmou, em entrevista a Oeste. “Muitas vezes você não consegue dar conta do atendimento.” Segundo ele, o aumento rápido da população pressiona serviços públicos, sobrecarrega a infraestrutura e afeta diretamente o mercado imobiliário, com “os aluguéis subindo além dos preços normais” e “pressão muito grande sobre a busca de moradia”. Essas medidas são especialmente relevantes em cidades que concentram grandes fluxos migratórios. “A capital também é um polo de atração, então esse fenômeno a gente percebe claramente”, afirmou o prefeito. A capital, no entanto, enfrenta um novo desafio diante do aumento de chegadas. Em julho, o prefeito anunciou a instalação de um posto da Secretaria de Assistência Social na rodoviária da cidade “para garantir o controle de quem chega”. Segundo Topázio, a equipe identifica pessoas que desembarcam sem emprego ou moradia e oferece passagem de volta ao município de origem; a medida, segundo ele, já resultou em mais de 500 retornos. “Não podemos impedir ninguém de viver em Florianópolis, mas precisamos manter a ordem e as regras”, afirmou em vídeo divulgado nas redes sociais. O prefeito alegou que a iniciativa busca coibir o envio de moradores de rua por outras cidades. A decisão gerou forte repercussão e levou a Defensoria Pública e o Ministério Público de Santa Catarina a abrirem procedimentos para apurar a legalidade da medida e possíveis violações ao direito constitucional de ir e vir. Em resposta, Topázio afirmou que ninguém é obrigado a deixar a cidade e que o trabalho tem caráter de orientação e convencimento, com contato prévio a familiares e redes de apoio.

    A experiência de quem já fez esse caminho

    Os efeitos da migração também são percebidos por quem chegou ao Estado em diferentes momentos e por motivos variados. O empresário Sílvio Cabral, de São Paulo, vive em Jaraguá do Sul desde 1998, quando foi convidado a integrar uma prestadora de serviços para a WEG Motores. “O que me chamou atenção foi o índice de criminalidade ser muito baixo e a qualidade de vida era diferente do que a gente via em São Paulo”, recorda. Ele relata que 75% de sua equipe atual é formada por migrantes e vê avanços significativos na infraestrutura da cidade, que passou de 90 mil para 180 mil habitantes desde sua chegada. Histórias mais recentes mostram o mesmo impulso por melhores condições. O mineiro Matheus Cassio, 39 anos, deixou Formiga há cinco anos para morar em Tubarão com a família, já com emprego garantido. Considera que encontrou “muito mais” oportunidades de trabalho do que em Minas Gerais e cita a infraestrutura urbana e as opções de lazer como diferenciais. “A qualidade de vida é bem superior, mais empregos com melhores salários, melhor estrutura em geral, tanto capital quanto interior, e mais opções de lazer”, avalia. A paraense Dayanne Reis, 29 anos, vive em São José há quase sete anos. Mudou-se com quase toda a família em busca de melhores condições financeiras e mais segurança. No começo, teve dificuldades com o frio, a culinária e os costumes locais. “Para moradia, aqui é muito difícil e está ficando cada vez pior”, desabafa. No mercado de trabalho, porém, a adaptação foi simples: “Foi bem tranquilo, pois minha área é muito boa e sou uma excelente profissional, diga-se de passagem.” Guilherme Ganade, 33 anos, de Botucatu (SP), vive em Timbó há seis meses. A princípio, pretendia apenas passar uma temporada fora para “renovar as energias e colocar a cabeça no lugar”, mantendo o trabalho remoto em São Paulo. Quatro meses depois, aceitou uma vaga presencial em uma cidade próxima. Ele pondera, no entanto, que seu Estado de origem ainda oferece mais e melhores oportunidades, inclusive salariais. A assistente social Mariana Campos, também de Botucatu, vive em Joinville há dois anos e meio, acompanhando o marido transferido de trabalho. No começo, enfrentou dificuldade para encontrar moradia, “pois o aluguel é muito caro e não há muitos imóveis disponíveis”. Conseguiu emprego rapidamente, mas considera que “os salários são baixos” para o custo de vida local. No exercício profissional, observa que a migração pressiona os serviços públicos, sobretudo saúde, trânsito e habitação. Relata filas por vagas em creches, sobrecarga nos serviços de saúde e enchentes que paralisam aulas e deslocamentos. Entre os pontos positivos, cita o incentivo ao esporte e a proximidade das praias.

    Mercado de trabalho sente migrações

    Topázio observa que os novos moradores incluem desde trabalhadores em busca de emprego formal até aposentados atraídos pela qualidade de vida. “O Brasil está envelhecendo e você tem muitas pessoas que são 60+, que também migram”, afirmou. Segundo ele, a integração é mais difícil quando o recém-chegado não tem qualificação ou não demonstra interesse em trabalhar, o que reforça a necessidade de programas de capacitação. Essa preocupação é confirmada por estudo da Federação das Indústrias de Santa Catarina, que em 2022 estimou a necessidade de qualificar mais de 800 mil pessoas para a indústria até 2025: cerca de 150 mil em formação inicial e 650 mil em formação continuada. O prazo se encerra neste ano e a disputa por mão de obra leva empresas a buscar trabalhadores de outros Estados e, em alguns casos, de fora do país. No oeste catarinense, onde o desemprego é de apenas 3,5%, empresas têm recorrido a imigrantes, principalmente venezuelanos e haitianos, para suprir a falta de mão de obra. Chapecó lidera a tendência, com mais de 20 mil estrangeiros de cerca de 50 nacionalidades, muitos atuando em agroindústrias, na construção civil e no setor de serviços. Para acolhê-los, a prefeitura mantém um centro especializado que oferece orientação, cursos e encaminhamento ao trabalho, em parceria com a Polícia Federal e a rede escolar.

    Santa Catarina recebe apenas 14% do que envia a Brasília

    Topázio destaca que o crescimento populacional, embora impulsione a economia, nem sempre vem acompanhado de repasses proporcionais. “Muitas vezes, a despesa é descasada do aumento de orçamento”, disse, ao destacar o impacto em cidades pequenas que dependem do Fundo de Participação dos Municípios e sofrem com a defasagem nos dados usados para o cálculo. Também criticou a concentração de recursos em Brasília: “De cada R$ 100 arrecadados pelo governo federal, recebemos R$ 14 de volta.” Dados da Receita Federal e da CGU confirmam a disparidade: em 2021, Santa Catarina recolheu mais de R$ 70 bilhões em tributos federais e recebeu apenas R$ 12 bilhões em transferências — um saldo negativo de R$ 60 bilhões, o 4º pior do país. Apenas São Paulo (R$ 480 bilhões em prejuízo), Rio de Janeiro (déficit de R$ 150 bilhões) e Distrito Federal (R$ 70 bilhões a menos) tiveram perdas maiores. Já Estados como Maranhão (R$ 15 bilhões de superávit) e Pará (R$ 13,5 bilhões de ganho) registraram saldo positivo, pois receberam mais do que arrecadaram. Mesmo diante deste cenário, o Estado continua a atrair moradores, movidos pela qualidade de vida, ambiente de negócios e baixos índices de violência. Para Cabral, aproveitar as oportunidades exige foco: “É um Estado que pode te ajudar bastante, mas você tem que ter objetivos”, avalia. “Se não tiver, não vale a pena nem sair de onde você está, porque o trabalho é árduo.”

    Com informações Revista Oeste