SC investiga 43 professores por assédio em escolas e até ida com alunos a motéis

SC investiga 43 professores por assédio em escolas e até ida com alunos a motéis

29 de setembro de 2022 Off Por Editor



  • Servidores passam por processos administrativos abertos pela Secretaria de Estado da Educação

    Santa Catarina abriu investigações neste ano sobre ao menos 43 casos suspeitos de assédios cometidos por professores contra crianças e adolescentes em escolas estaduais. As ocorrências envolvem de comentários e toques inapropriados contra às alunas a até a ida de servidores com estudantes da educação básica para motéis.

    Os casos foram identificados pelo NSC Total a partir de portarias publicadas no Diário Oficial do Estado (DOE) nas quais a Secretaria de Estado da Educação (SED-SC) nomeia, para cada um deles, uma comissão de processo administrativo disciplinar.

    As suspeitas de assédio ocorreram em todas as regiões catarinenses. Ao menos 12 cidades reuniram 14 deles. As portarias do DOE citam também outros 18 municípios catarinenses onde atuam os servidores nomeados para as comissões investigativas, e não necessariamente onde as situações ocorreram. Há um caso de Bombinhas, por exemplo, que tem processo disciplinar sediado em Itajaí.

    Perfil dos assédios

    A maior parte dos assédios tem homens como suspeitos: foram ao menos 38 situações assim (88%). Mulheres teriam cometido ao menos outros quatro casos. Mais da metade deles (23) envolveram professores admitidos em caráter temporário (ACTs).

    Já as vítimas mais comuns são meninas: 34 das situações de assédio (79%) foram especificamente contra elas. Meninos foram vitimados em outras três ocasiões. Já seis episódios envolveram alunos em geral.

    Ao longo deste ano, o primeiro episódio suspeito aparece em portaria do DOE de 25 de janeiro. O mais recente é de 19 de setembro. Considerado esse intervalo de tempo, o Estado precisou abrir cinco processos administrativos deste tipo por mês.

    A reportagem também verificou todas as publicações do DOE do ano passado, ao longo do qual houve ao menos 25 casos — ou seja, o volume parcial de 2022 já é 72% maior. Eles tinham um perfil parecido ao deste ano, com uma maioria de alunas entre as vítimas. Há apenas um deles em que uma professora foi vitimada, ao ser assediada por um analista técnico em gestão educacional.

    Constrangimento, beijo em aluna e ida a motel

    As portarias ainda apontam, de modo resumido, o que envolve cada caso, sem expor nomes de alunos nem dos servidores investigados. Parte delas apenas menciona se tratar de situação de assédio. Em outras, há mais detalhes.

    São comuns casos envolvendo comentários de cunho sexual e gestos inadequados por parte dos professores, como olhares maliciosos e toques físicos.

    “Apurar a conduta do servidor por portar-se de maneira inadequada no exercício de suas funções, usando sua condição de professor para assediar e constranger alunas, tocando-as de forma indevida, fazendo comentários inconvenientes a respeito do corpo das meninas e usando linguagem inapropriada ao ambiente escolar, apresentando um comportamento que não condiz com a função de professor”, comunica uma portaria sobre um caso da região de Brusque, no Vale do Itajaí, que se assemelha a vários outros.

    Em um episódio com investigação sediada em Maravilha, no Oeste Catarinense, o assédio pelo qual um professor é suspeito envolve apertar a cintura das alunas e beijar o rosto delas, além de constrangê-las também com comentários inadequados.

    Nas regiões de Dionísio Cerqueira e Xanxerê, também no Oeste, e Joaçaba, no Meio-Oeste, há casos sob investigação que envolvem beijos de professores na boca dos alunos. No primeiro deles, um servidor teria se trancado em uma sala de aula com uma estudante para fazer isso e ainda pediu fotos íntimas dela.

    Já em um caso de Monte Castelo, no Norte Catarinense, o abuso físico envolveu carícias nas partes íntimas dos alunos. Em situações de Itapiranga e Rio do Sul, no Extremo-Oeste e no Vale do Itajaí, respectivamente, há menção expressa a atos libidinosos que teriam sido praticados por professores contra as alunas.

    O uso de redes sociais para a prática do assédio também foi comum, com insinuações de cunho sexual e envio de mensagens inadequadas. Em ao menos duas situações, uma de São José, na Grande Florianópolis, e outra da região de Blumenau, professores teriam enviado fotos nuas às alunas e pedido que elas fizessem o mesmo em troca.

    Já na região de São Joaquim, na Serra Catarinense, um professor que trocava mensagens inapropriadas com as alunas teria também orientado elas a mentirem à direção escolar após patrocinar lanches fora da unidade no horário de aula.

    Há mais situações de assédio acompanhadas de outra atitudes inadequadas. Em um caso da região de Videira, no Meio-Oeste, uma professora é suspeita de, além de constranger alunos com relatos da vida íntima, pedir pagamentos via Pix para dar notas.

    Na região de Blumenau, um outro professor suspeito de assédio ainda exibia uma postura agressiva na escola e costumava dar socos nas paredes. Já em um caso de Turvo, no Sul Catarinense, um docente supostamente assediador é investigado também por usar e oferecer drogas e portar uma arma de fogo no ambiente escolar.

    Ainda no Sul do Estado, um professor da região de Tubarão é suspeito, além de assédio dentro da escola, de fazer visitas inesperadas às casas das alunas. Ele ainda teria exibido em sala de aula um filme com cenas de violência sexual, repetindo o trecho em questão diversas vezes e questionando os alunos sobre o que era mostrado.

    Entre todos os casos identificados, um de Bombinhas, no Litoral do Estado, e outro da região de Dionísio Cerqueira mencionam a ida de servidores com alunos para motéis. O primeiro deles envolve uma professora e um aluno da educação básica. O segundo trata de um professor que teria feito isso com uma estudante do 9º ano do ensino fundamental, no horário em que ambos deveriam estar em aula.

    Como funcionam as investigações

    Cada suspeita de assédio chega à SED-SC a partir de denúncias feitas às Coordenadorias Regionais de Educação (CREs) ou à Ouvidoria, dos encaminhamentos do Ministério Público e do Judiciário, entre outros órgãos, e também por registros do Núcleo de Educação e Prevenção às Violências na Escola (Nepre), uma iniciativa do governo para evitar e coibir todos os tipos de violência nas escolas estaduais.

    “Muitos dos casos notificados partiram de denúncias dos próprios estudantes, o que comprova a eficácia do programa, pois, em situações de assédio e violência, os estudantes buscaram apoio na escola e com seus familiares”, apontou, em nota.

    A partir disso, a pasta analisa a admissibilidade da denúncia e requisita uma verificação legal da Procuradoria Geral do Estado (PGE-SC). Com isso, é publicada então uma portaria que dá início a um processo administrativo disciplinar (PAD) e que nomeia três servidores efetivos da CRE onde o caso se encontra para tocar a apuração — é nesta etapa que foram identificados os assédios relatados aqui.

    O grupo deve então estudar a denúncia, ouvir testemunhas, juntar provas e garantir a ampla defesa do servidor indiciado no PAD, que, a essa altura, pode estar ou não afastado preventivamente da escola, seja por determinação do secretário de Educação, da CRE em que o caso se deu ou da Justiça. A SED-SC não confirmou se houve afastamento com os episódios identificados pela reportagem.

    “A comissão tem 10 dias para instaurar o processo, que pode ser analisado em até 60 dias e prorrogado por mais 60 dias. Após a análise, a comissão pode sugerir a absolvição e o arquivamento do processo, ou uma advertência, suspensão de até 30 dias ou demissão do servidor”, explica a SED-SC.

    O que mais pode ser feito

    As investigações nas escolas podem ainda avançar do âmbito administrativo para o penal, desde que ganhe, por exemplo, um boletim de ocorrência e, assim, passe ao menos a ser também alvo de apuração da Polícia Civil. A SED-SC diz orientar cada escola envolvida a fazer isso e também a informar o Conselho Tutelar sobre eventuais denúncias.

    A delegada Patrícia Zimmerman, que coordena as Delegacias de Proteção à Criança ao Adolescente, à Mulher e ao Idoso (DPCAMIs) no Estado, afirma que cada conduta contra os estudantes pode ser enquadrada como injúria, importunação sexual, assédio sexual ou até estupro de vulnerável.

    Este último crime é tipificado pelo Código Penal como conjunção carnal ou prática de outro ato libidinoso com menor de 14 anos, em seu artigo 217 A — não há qualquer consideração sobre eventual consentimento ou não, nem sobre gênero e orientação sexual ou se dar ou não mediante violência.

    — As denúncias vêm aumentando ao longo dos anos, porque as pessoas têm tido maior confiança no trabalho do Estado de apuração dos crimes. Na pandemia, a preocupação era a convivência de crianças e adolescentes com o autor de violência dentro de casa. Essa questão do assédio na escola voltou agora com o retorno às aulas presenciais — diz Zimmerman, à reportagem.

    Apesar das crescentes denúncias, é necessário que pais e responsáveis fiquem atentos a eventuais mudanças de comportamento de crianças e adolescentes, uma vez que, devido à posição hierárquica superior de um professor, eles podem manifestar medo de relatar o assédio ou mesmo dificuldade em compreender do que se trata aquela situação a que estão sendo submetidos, segundo afirma a psicológa Catarina Gewerh.

    — Quanto menor a criança, os sinais são dados por sintomas orgânicos. Há muita queixa de dor de cabeça na hora de ir para a escola, muita dor de barriga, birra, dificuldade para dormir, e, claro, sendo tudo isso nada habitual. A criança ia antes tranquila para a escola, e depois passar a dar sinais físicos — explica.

    — Com os adolescentes, já é um pouco diferente. Eles podem ter alterações no apetite, manifestar mais agressividade, ter mais comportamentos de enfrentamento ou de silenciamento. É importante que os responsáveis procurem em um tempo de tranquilidade, com muita calma, abordar como estão as coisas na escola.

    Gewerh, que é professora na Universidade Regional de Blumenau (Furb), pondera ainda que é preciso avaliar casos de assédio deste tipo não apenas com atenção ao agressor, mas também ao ambiente escolar em que ele atua. Ela afirma que contextos desorganizados e fundamentados apenas em cobranças, sem respeito, estimulam professores a fazerem um uso abusivo de seu poder hierárquico sobre os alunos.

    O que mais afirma o governo estadual

    Questionada pela reportagem sobre o que tem feito para evitar e coibir casos de assédio nas escolas, a Secretaria Estadual de Educação destacou ter uma política própria voltada ao tema. Leia a seguir a íntegra do que diz a pasta.

    “A SED conta com uma Política de Educação, Prevenção, Atenção e Atendimento às Violências na Escola, que institucionaliza os Núcleos de Educação e Prevenção às Violências na Escola (Nepre) na SED, nas Coordenadorias Regionais de Educação e nas unidades escolares.

    O Nepre presta atendimento a todos os estudantes e profissionais da rede estadual em todas as formas de violências e conta com a ferramenta Nepre Online para registrar os casos suspeitos de violência, com a possibilidade de acompanhar tais registros em tempo real e, se necessário, adotar os procedimentos para a educação e a prevenção.

    O Nepre possui painel para acompanhamento dos registros e para pautar as ações de prevenção do ambiente escolar. Além disso, a SED contratou psicólogos e assistentes sociais para atuarem nos Nepres da secretaria e em todas as Coordenadorias Regionais de Educação para prestar apoio à comunidade escolar.

    Muitos dos casos notificados partiram de denúncias dos próprios estudantes, o que comprova a eficácia do programa, pois, em situações de assédio e violência, os estudantes buscaram apoio na escola e com seus familiares.”