
Megaoperação descobre esquema bilionário no setor de combustíveis em SC e mais sete estados
29 de agosto de 2025Cerca de 350 alvos, entre pessoas jurídicas e físicas, localizadas em Santa Catarina e mais sete estados
A Receita Federal deflagrou a megaoperação “Carbono Oculto”, que visa o desmanche de esquema de fraudes e de lavagem de dinheiro no setor de combustíveis em Santa Catarina e mais sete estados brasileiros. A deflagração ocorreu ontem quinta-feira (28). Segundo a Receita Federal, vários elos da cadeia de combustíveis controlados pelo crime organizado estão na mira da investigação, desde a importação até a ocultação e blindagem do patrimônio, via fintechs e fundos de investimentos. Cerca de 350 alvos, entre pessoas jurídicas e físicas, localizadas em Santa Catarina, São Paulo, Espírito Santo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Goiás e Rio de Janeiro, estão no cumprimento de mandados de busca e apreensão. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) também ingressou com ações judiciais cíveis de bloqueio de mais de R$ 1 bilhão em bens dos envolvidos, incluindo imóveis e veículos, para a garantia do crédito tributário. “As investigações apontam que o sofisticado esquema engendrado pela organização criminosa, ao mesmo tempo que lavava o dinheiro proveniente do crime, obtinha elevados lucros na cadeia produtiva de combustíveis. O uso de centenas de empresas operacionais na fraude permitia dissimular os recursos de origem criminosa. A sonegação fiscal e a adulteração de produtos aumentavam os lucros e prejudicavam os consumidores e a sociedade”, explica o órgão. Os criminosos realizavam operações financeiras por meio de fintechs, em vez de bancos tradicionais, eles também dificultavam o rastreamento dos valores transacionados. O lucro obtido e os recursos lavados eram blindados em fundos de investimentos com camadas que tentavam impedir a identificação dos reais beneficiários.
Como funcionavam as fraudes?
As importadoras atuavem como se fossem pessoas, adquirindo combustíveis como nafta, hidrocarbonetos e diesel com recursos de formuladoras e distribuidoras vinculadas à organização criminosa. Em quatro anos, mais de R$ 10 bilhões em combustíveis foram importados. Já as formuladoras e distribuidoras, além de postos de combustíveis também vinculados à organização criminosa, sonegavam os tributos nas operações de venda. A Receita Federal já constituiu que os créditos tributários federais de um total de mais de R$ 8,67 bilhões em pessoas e empresas integrantes do esquema. Outra fraude detectada envolvia a adulteração de combustíveis. O metanol, importado supostamente para outros fins, era desviado para uso na fabricação de gasolina adulterada, com sérios prejuízos para os consumidores.
Esquema de lavagem de dinheiro
Os envolvidos no na fraude eram utilizados para lavagem de dinheiro de origem ilícita. Lojas de conveniências, administradoras e padarias também participavam do esquema. Mais de mil postos de combustíveis distribuídos em dez estados: São Paulo, Bahia, Goiás, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Maranhão, Piauí, Rio de Janeiro e Tocantins. Na maioria dos postos, o recebimento era em dinheiro em espécie ou via maquininhas de cartão. A transição dos recursos acontecia por meio das contas bancárias em esquema de lavagem de dinheiro. Nestes postos, a movimentação financeira passou de R$ 52 milhões, com recolhimento de tributos abaixo e incompatível com as atividades. Os postos já foram autuados em mais de R$ 891 milhões pela Receita Federal. Outros 140 postos eram usados de outra forma. Mesmo não possuindo movimentação financeira entre 2020 e 2024, foram destinatários de mais de R$ 2 bilhões em notas fiscais, possivelmente adquiridos para ocultar o trânsito de valores ilícitos depositados em distribuidoras vinculadas à organização criminosa.
Como funcionava a ocultação?
A Receita Federal explicou que os valores eram inseridos no sistema por meio das fintechs, empresas que utilizam tecnologia para oferecer serviços financeiros digitais. Foi identificado que uma dessas empresas atuava como “banco paralelo” da organização criminosa, com movimentação de mais de R$ 46 bilhões entre 2020 e 2024. Essas mesmas pessoas controlavam outras instituições de pagamentos menores, usadas para a criação de uma dupla camada de ocultação. Ela recebia valores em espécie. Quase 11 mil depósitos em dinheiro foram efetuados entre 2022 e 2023, totalizando mais de R$ 61 milhões. Brechas na regulação das fintechs permitiam que o crime organizado pudesse manter os esquemas e as fraudes, sendo um poderoso núcleo financeiro da organização criminosa e invisível para ações de controle e fiscalização.
Blindagem de valores
O dinheiro de origem ilícita era reinvestido em negócios, propriedades e outros investimentos através de fundos de investimentos que recebiam recursos da fintech, dificultando sua rastreabilidade e dando a ele uma aparência de legalidade. “A Receita Federal já identificou ao menos 40 fundos de investimentos (multimercado e imobiliários), com patrimônio de R$ 30 bilhões, controlados pela organização criminosa. Em sua maioria, são fundos fechados com um único cotista, geralmente outro fundo de investimento, criando camadas de ocultação. Entre os bens adquiridos por esses fundos estão um terminal portuário, quatro usinas produtoras de álcool (mais duas usinas em parceria ou em processo de aquisição), 1.600 caminhões para transporte de combustíveis e mais de 100 imóveis, dentre os quais seis fazendas no interior do estado de São Paulo, avaliadas em R$ 31 milhões, e uma residência em Trancoso/BA, adquirida por R$ 13 milhões”, disse o órgão. Os indícios apontam que esses fundos são utilizados como um mercado de ocultação e blindagem patrimonial e sugerem que as administradoras dos fundos estavam cientes e contribuíram para o esquema, inclusive não cumprindo obrigações com a Receita Federal, de forma que sua movimentação e a de seus cotistas fossem ocultadas da fiscalização.