“Não sou contra aborto”, diz juíza de SC que impediu procedimento à criança estuprada

“Não sou contra aborto”, diz juíza de SC que impediu procedimento à criança estuprada

21 de junho de 2022 Off Por Editor



  • Em entrevista exclusiva ao Diário Catarinense, magistrada defendeu decisão, comentou a transferência e disse estar sendo ameaçada

    Em entrevista exclusiva ao Diário Catarinense, nesta terça-feira (21), a juíza Joana Ribeiro defendeu sua decisão que impediu uma menina de 11 anos de realizar aborto em Santa Catarina – a criança engravidou após ser estuprada. Em despacho, ela afirmou que o encaminhamento da menina ao abrigo tinha como objetivo protegê-la do procedimento e de possíveis novas agressões. O caso foi divulgado nesta segunda-feira (20) e tem repercutido nacionalmente.

    — Mas, isso não quer dizer que eu sou contra o aborto, só que o aborto passou do prazo — explicou a juíza, que atua desde 2004 na área da Infância e Juventude, passando por comarcas de Navegantes e Itajaí.

    Quando emitiu a decisão polêmica, Joana estava lotada em Tijucas. Agora, teria aceitado uma promoção para atuar em Brusque. A informação da transferência foi confirmada pela juíza e pelo Tribunal de Justiça.

    Em conversa por telefone, a magistrada deixou claro que não quer expor questões processuais ou da menina por proteção a menor.

    Confira a entrevista:

    DC – Primeiro, quero ouvir a senhora sobre a repercussão do caso e da decisão.
    Joana Ribeiro – Um ponto importante é a coerência de tudo o que eu faço, de defender o direito à privacidade da criança. Não é justo em um momento de crise, para me proteger ou me defender, eu não fazer isso e colocar em evidência questões processuais ou da menina. Então, tem uma questão teórica, tenho artigos e livro onde falo do Marco Legal da Primeira Infância, falo do direito da criança e do adolescente começar desde o nascimento, tem tudo isso. Mas, isso não quer dizer que eu sou contra o aborto, só que o aborto passou do prazo. Eu não quero dar detalhes por conta da segurança dessa criança. É muito grave. Então, por coerência, eu prefiro que me acusem de tudo quanto é coisa, mas a menina esteja preservada. (…) É muita covardia eu querer me defender, eu tenho mil coisas para me defender, mas é muito covarde eu tentar me defender e expor a menina, a mãe da menina, a família. Então eu prefiro aguentar sozinha essa pressão.

    Tem outra questão que é a segurança institucional de que os meus dados já foram quebrados e eu já corro risco de vida. Então, tem mais uma responsabilidade de não gerar um custo para o tribunal de ter que colocar seguranças, tem mais isso. Não posso sair falando por aí e o tribunal ter de ficar sustentando guarda-costas. Veja que são dois pontos de vista, um de coerência do direito da criança e adolescente e outra de coerência com o dinheiro público, né? Então por isso que eu não vou me defender.

    Sobre a questão de o procedimento ter “passado do prazo”. Que prazo é esse?
    Assim, a palavra aborto tem um conceito e esse conceito é de até 22 semanas. Esse conceito é da OMS (Organização Mundial da Saúde) e do Ministério da Saúde.

    E qual a posição da senhora sobre o processo da Corregedoria-Geral, que apura sua conduta?

    Eu estou bem tranquila quanto ao processo, a Corregedoria vai instaurar o procedimento, eu vou fazer a defesa. Mas, se eu ficar dando muitas entrevistas, vou acabar expondo a menina e eu que sou a adulta do caso, então o adulto aguenta as consequências. E quando eu escolhi essa profissão, eu sabia que era um sacerdócio. Não é uma profissão que você possa sair se expondo. Então estou preparada. Preparada para não gerar gastos para o Tribunal e não gerar risco de vida.

    Há quanto tempo a senhora atua nesta área?

    Eu passei em 2004 e nunca me afastei dessa área [da Infância e Juventude].

    Por que a escolhe de atuar na Infância e Juventude?

    Eu, enquanto criança, vi amigos que ficaram órfãos, crianças que sofreram abandono, vivi isso na infância, e talvez isso tenha criado essa empatia muito grande com as crianças. Inclusive, na semana passada, estava na Paraíba defendendo que o Juízo 100% Digital não cabe no direito da criança e adolescente porque a criança tem de ser ouvida com carinho e com atenção.

    Sobre a questão da senhora não estar mais no caso, foi uma decisão do TJ ou foi a senhora que pediu?

    Fui promovida. Na semana passada, eu fui promovida por merecimento. Estava renunciando e não me candidatava a promoções que apareciam, para ficar na Infância. Mas desta vez, eu resolvi aceitar uma promoção. Mesmo aceitando que eu ia me afastar da Infância temporariamente.

    E esse aceite, foi por causa do caso ou não?

    Não. Minha promoção aconteceu quarta-feira da semana passada (15) e o caso estourou ontem [segunda-feira, dia 21]. Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Sou uma pessoa que faz tanto o bem que sou abençoada por Deus. A promoção saiu antes deste estouro.

    A decisão afeta a sua carreira? Pensa em mudar?

    Não. Eu estudei para isso, para tomar decisões deste tipo. Para isso que eu estudo, que eu me dedico. Passo os finais de semana lendo, tenho uma biblioteca caríssima que eu compro livros importados, é isso. Eu estudo para isso, para fazer um caso como esse. Minha promoção saiu antes, coincidiu que esse caso estourou depois. Não estou afastada do serviço por ordem do Tribunal. Estou afastada do serviço porque estou em período de trânsito [mudança].

    A senhora está com medo em relação a sua segurança?

    Sim, em relação a minha segurança e a da minha família. Só isso. O resto eu não tenho nenhum problema. De honestidade, de nenhum procedimento na Corregedoria, os advogados da comarca me adoram, me elogiam, podem vasculhar imposto de renda, o que for. Está tudo certo e tudo coerente. A minha posição é de não ser incoerente. Minha coerência é proteger sempre a criança, ainda que isso tenha um custo pessoal para mim.

    A Justiça autorizou hoje a criança a sair do abrigo. O que a senhora acha dessa decisão?

    Eu não consultei o processo. Estou em trânsito. Eu vou verificar. Mas a última decisão era minha. Eu tenho completa tranquilidade do que eu fiz. Eu sei que vocês estão cumprindo a missão de vocês, mas eu também estou cumprindo a minha. Ainda que isso gere impacto em mim e na minha vida. Eu estou preparada.

    Com informações DC / NSC Total