
Operação Entre Lobos: MPSC denuncia 14 pessoas por 215 estelionatos e organização criminosa
4 de agosto de 2025Quatro dos investigados, que são advogados, foram denunciados também pela prática do crime de patrocínio infiel. A organização criminosa teria montado um esquema interestadual de estelionato contra idosos, desarticulada com a Operação Entre Lobos, deflagrada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (GAECO) no dia 22 de julho, em apoio à Promotoria de Justiça da Comarca de Modelo. O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) apresentou denúncia contra 14 investigados na Operação Entre Lobos, que desarticulou uma organização criminosa a qual teria montado um esquema interestadual de estelionato contra idosos. Na ação, a Promotoria de Justiça da Comarca de Modelo atribui aos investigados a prática dos crimes de integrar organização criminosa e 215 estelionatos. Quatro dos investigados, que são advogados, foram denunciados também pelo crime de patrocínio infiel. A Operação Entre Lobos foi deflagrada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (GAECO) no dia 22 de julho, em apoio à Promotoria de Justiça da Comarca de Modelo. A operação cumpriu simultaneamente 13 mandados de prisão – oito preventivas e cinco temporárias – e 35 mandados de busca e apreensão em 12 municípios de cinco estados da Federação – Santa Catarina, Ceará, Rio Grande do Sul, Bahia e Alagoas. Durante a operação também foram apreendidos R$ 115,7 mil, além de 6,7 mil dólares e euros, sete veículos e duas armas com 60 munições. Os oito presos preventivamente durante a operação – cinco deles advogados – permanecem detidos. A denúncia apresentada pela Promotoria de Justiça da Comarca de Modelo demonstra que a organização criminosa atuava de forma estruturada, hierarquizada e segmentada, em diversos municípios de Santa Catarina e outros estados brasileiros. Ela era composta por ao menos 14 pessoas, com divisão clara de tarefas e funções, voltada à prática sistemática de estelionatos contra vítimas vulneráveis, especialmente idosos. A organização criminosa seria composta por cinco núcleos:
- núcleo de liderança e estratégia: responsável pela concepção do esquema, expansão e controle financeiro;
- núcleo operacional e financeiro central: cuidava do caixa, pagamentos, contratos e suporte às empresas de fachada;
- núcleo jurídico e administrativo: dava aparência de legalidade às ações judiciais e formalizava a representação das vítimas;
- núcleo empresarial: formado por empresas de fachada que formalizavam as cessões fraudulentas;
- núcleo de captação: composto por agentes que abordavam diretamente as vítimas, coletavam documentos e realizavam pagamentos.
O modus operandi geral da organização criminosa era o seguinte:
1 – Captação: agentes do núcleo de captação abordavam vítimas vulneráveis, oferecendo serviços advocatícios para ajuizar ações revisionais, e coletavam os documentos necessários. A captação de clientes ainda se dava por meio do site do Instituto de Defesa do Aposentado e Pensionista (IDAP) na internet a partir de maio de 2023.
2 – Ajuizamento: o núcleo jurídico ingressava com as ações judiciais.
3 – Cessão fraudulenta: em um momento estratégico do processo, as vítimas eram persuadidas/induzidas a erro, a fim de que assinassem contratos de cessão de crédito com as empresas do núcleo empresarial, recebendo em troca valores ínfimos e desproporcionais ao valor real do crédito.
4 – Recebimento e distribuição: os valores totais dos alvarás judiciais ou acordos eram recebidos pelo núcleo jurídico, diretamente na conta bancária do escritório de advocacia. O núcleo financeiro central, então, orquestrava a distribuição dos lucros, que, após o pagamento de comissões e despesas, eram direcionadas ao núcleo de liderança. Após descontos de honorários (frequentemente 40%), o valor remanescente era formalmente repassado (ou registrado como repassado) às empresas cessionárias.
5 – Ocultação e blindagem: a estrutura compartimentada em núcleos e a utilização de empresas de fachada eram estratégias para dissimular a origem e o destino dos lucros, proteger o núcleo de liderança de responsabilização criminal e dificultar as investigações, tática reforçada pela migração das comunicações para plataformas criptografadas.
Características do esquema criminoso
A investigação, iniciada há quase um ano a partir de denúncias que apontavam a exploração financeira de vítimas por meio de cessões de crédito judicial, revelou um esquema sofisticado e coordenado que operava através de múltiplas estratégias predatórias. A organização criminosa abordava vítimas, predominantemente idosos e aposentados, em suas residências ou por outros meios, oferecendo a propositura de ações revisionais de contratos bancários. Após o ajuizamento dessas ações, muitas vezes sem o devido discernimento dos clientes e sem qualquer informação sobre o processo, as vítimas eram induzidas em erro e ludibriadas a assinar contratos de cessão dos valores de direitos judiciais, resultantes das ações propostas, às empresas de fachada que integravam a organização criminosa. A apuração também apontou a captação de clientes via internet, com o uso do IDAP, uma fachada institucional para direcionar as vítimas ao esquema fraudulento. As pessoas entravam no site e assinavam os documentos necessários para a organização criminosa ajuizar a ação. O site do IDAP é exposto em âmbito nacional para atrair aposentados, pretensas vítimas da organização. As cessões de crédito eram firmadas por valores significativamente abaixo dos montantes reais a receber nas ações judiciais. A análise dos dados coletados durante a investigação revela a dimensão da exploração praticada contra as 215 vítimas já identificadas, com idade média de 69 anos. As vítimas eram levadas por integrantes do grupo a cartório para reconhecimento de firma, visando dar aparência de credibilidade à negociata espúria. Em suma, a denúncia demonstra que o esquema estaria utilizando as empresas de fachada para a aquisição de créditos judiciais e como instrumento para formalizar as cessões fraudulentas e, ao mesmo tempo, como método para distanciar os criminosos que extrapolavam a função de advogado das reclamações e questionamentos das vítimas. Como as empresas de fachada eram as novas detentoras dos créditos judiciais, quaisquer esclarecimentos ou questionamentos financeiros eram direcionados a elas, fato que, sob a aparência de legalidade e boa-fé, denuncia o complexo emaranhado criado pela organização criminosa e sofisticação dos golpes. Durante a investigação foram identificadas planilhas de controle financeiro detalhando a divisão de lucros, comissões pagas, investimentos e despesas, revelando a partilha de proveitos ilícitos entre os envolvidos. Também foram coletados registros de procurações e substabelecimentos que indicam a transferência de poderes de representação entre os criminosos que extrapolavam a função de advogado e as empresas.
Valores irrisórios
Para ilustrar a gravidade da exploração aos idosos, casos concretos demonstram a disparidade entre os valores liberados pela Justiça e os pagamentos efetivamente realizados às vítimas. Em situações analisadas, enquanto uma vítima tinha direito a receber R$ 146.327,17 determinado judicialmente, recebeu apenas R$ 2.500,00 por meio da cessão fraudulenta, representando apenas 1,71% do valor devido. Outra vítima, com direito a R$ 117.711,86, recebeu somente R$ 2.500,00, correspondendo a 2,12% do montante. Um terceiro caso revela que uma vítima com crédito judicial de R$ 115.660,20 recebeu apenas R$ 2.000,00, equivalente a 1,73% do valor que lhe era devido por direito. As investigações demonstraram que os contratos de cessão eram assinados em nome das empresas de fachada Ativa Precatórios e BrasilMais Precatórios, porém os alvarás eram todos expedidos em nome do escritório de advocacia da pessoa que a investigação apontou como chefe da organização criminosa. Depois, os valores eram, em parte, transferidos para as empresas e/ou rateados entre os integrantes do grupo criminoso. Somando as duas empresas, o valor total adquirido pela organização criminosa e liberado pela Justiça foi de mais de R$ 6 milhões, porém os idosos explorados pelo esquema receberam menos de 10% do valor que lhes era devido por direito.
Mais possíveis vítimas
Após a operação, além das 215 vítimas identificadas que motivaram a denúncia, outras 274 pessoas já se apresentaram como possíveis vítimas. ”É fundamental que todas as vítimas se manifestem para que a investigação possa dimensionar adequadamente o alcance dos crimes, identificar os lesados e garantir a devida reparação dos danos, a responsabilização criminal dos investigados e a identificação de outras pessoas que porventura integravam a organização criminosa”, considera o Promotor de Justiça Edisson de Melo Menezes, da Comarca de Modelo. Pessoas que se identificarem como vítimas do esquema devem procurar a Delegacia de Polícia Civil mais próxima para registrar um boletim de ocorrência, o qual será posteriormente encaminhado ao Ministério Público para as providências cabíveis. Também podem contatar a Ouvidoria do Ministério Público ou a Promotoria de Justiça de Modelo:
Promotoria de Justiça da Comarca de Modelo – WhatsApp: (49) 99200-7462;
Ouvidoria do MPSC – e-mail: [email protected] / telefone: (48) 3229-9306 ou 127, das 9h30 às 19h.