Setor de eventos representa o segmento econômico mais afetado pela pandemia

Setor de eventos representa o segmento econômico mais afetado pela pandemia

17 de junho de 2020 Off Por Eduardo Grassi



  • Empresas e prestadores de serviço ligados ao setor de eventos representam o segmento econômico mais afetado pela pandemia do novo coronavírus (Covid-19) no Brasil. Enquanto alguns setores começam a retomar suas atividades depois de quase quatro meses de distanciamento social, ainda não há perspectivas para quem depende da aglomeração de pessoas para trabalhar. Da montagem de uma arquibancada em uma festa de peão ao show de um artista da música em uma formatura ou casamento, praticamente tudo continua parado, e muita gente está dependendo da ajuda do próximo para seguir em frente.

    “Quando se fala em eventos, muita gente só vê o artista que está cantando em cima do palco. No entanto, são os mais simples que estão sendo mais prejudicados nesse momento de pandemia da Covid-19. Gente que trabalha de carregador, segurança, garçom, operador de áudio e iluminação… tem até aquele que vive das latinhas recolhidas em festa de peão e eventos de grande porte”, enumera o empresário Ivan Silva, que atua com a venda de shows e a montagem de estrutura para eventos na região de Rio Preto.

    Segundo Silva, 2020 é um ano perdido para toda a cadeia produtiva ligada ao setor de eventos. “Eu tinha cerca de 60 eventos até o mês de junho. Alguns foram cancelados e muitos adiados para setembro ou outubro, na esperança de que talvez ainda dê tempo de fazer alguma coisa neste ano”, informa ele, que mantém uma equipe com cerca de 20 funcionários, sem contar os freelancers que são contratados conforme a demanda de serviços. “O prejuízo é enorme e ainda não dá para calculá-lo. Dei férias para alguns funcionários e outros tive que dispensar. A minha maior preocupação é com os indiretos, que dependem do dia-a-dia para ganhar alguma coisa.”

    Contas a pagar

    Atuando com o aluguel de equipamentos de áudio e iluminação para eventos da região, o empresário Pascoal Ferrari já está calculando o prejuízo ocasionado pela pandemia da Covid-19. “Já perdi mais de R$ 60 mil até agora. Não há perspectiva de trabalho até o final de julho. Parei de pagar as prestações de um financiamento e estou com o nome sujo na praça”, diz ele, que, nos últimos três meses, conseguiu manter o salário dos quatro funcionários fixos de sua equipe, mas não sabe como será daqui pra frente.

    “Meu último evento foi no dia 8 de março. Desde então estou completamente parado. A pandemia começou justamente quando o calendário de eventos da região de Rio Preto se intensificaria. Com o fim do carnaval, começariam as festas de peão, chegando às festas juninas agora, neste mês”, explica Ferrari. “Os eventos estão na quinta etapa do plano de retomada das atividades econômicas feito pelo governo estadual. No entanto, não há previsão de data. Não sabemos quando de fato iremos voltar. Estamos completamente perdidos”, acrescenta o empresário.

    Fluxo de caixa

    Para o empresário Fabiano Cocenzo, que conta com uma empresa de aluguel de geradores de energia há cerca de 15 anos, a pandemia da Covid-19 pegou muita gente do setor de eventos desprevenida. “Quem trabalha com equipamentos e tecnologia acaba aproveitando o dinheiro que sobra em caixa para fazer novos investimentos. Por isso, a maioria não estava preparada para uma recessão como essa porque não tem dinheiro em caixa para aguentar”, opina. “Já são mais de três meses sem nenhum tipo de evento. A situação ficará ainda mais problemática se chegarmos aos seis meses.”

    Eventos de grande porte, como as festas de peão e shows de artistas de renome nacional, representam boa parte dos negócios de Cocenzo, que só não está parado totalmente porque também aluga geradores de energia para indústrias. “É uma alternativa, mas não cobre 100% dos meus gastos”, sinaliza ele, que também começou a atender artistas da música que estão realizando lives nas redes sociais. “Tem artista que está indo para a sua quarta live, e isso está exigindo o investimento em mais equipamentos. Então, eles acabam precisando de um gerador para dar conta da demanda de energia elétrica”, declara.

    Com uma equipe com quatro funcionários fixos, o empresário diz que recorreu ao auxílio do governo federal para evitar demissões. “Dei férias para uma parte e outra deixei de stand by porque preciso gerar receita nesse período. Não demiti ninguém até agora”, diz.

    Por outro lado, Cocenzo destaca que é preciso manter o otimismo, pois, caso contrário, fica difícil pensar em alternativas para manter a sobrevivência. “Espero que a normalidade volte em meados de setembro. Ainda não parei para calcular o prejuízo. Estou analisando mês a mês, decidindo conforme a evolução do distanciamento social. As coisas vão melhorar”, finaliza.

    ‘A situação ficou desestabilizada’
    Estou afastado do exercício profissional há quatro meses, desde a recomendação do Ministério da Saúde para o cancelamento e adiamento de eventos em massa. A situação socioeconômica dos profissionais da área – como técnicos, operadores de áudio e iluminação, organizadores, enfim todos do segmento de eventos – ficou desestabilizada. Tenho conhecimento de colegas de trabalho que estão em situação de vulnerabilidade, assim como minha família foi afetada significativamente, haja vista que somente a minha esposa está trabalhando, e ainda atuando com redução salarial.

    A rotina familiar mudou muito devido ao isolamento social. Tivemos de reavaliar os gastos, trancamos a matrícula da instituição escolar, renegociamos o contrato de aluguel e algumas contas, como água e energia elétrica, estão em atraso. Estávamos com planos de financiamento habitacional, mas, devido a toda essa situação, adiamos por tempo indeterminado.

    Tivemos que usar o período atual de congelamento como um momento de revisão de estratégias e reorganização, realizando atividades fora da nossa área. Atualmente, estou trabalhando como auxiliar de pintor e jardinagem, me submetendo ao risco de contágio porque preciso contribuir com a renda familiar, para permanecer em dia com o pagamento da pensão alimentícia de três filhos e, principalmente, suprir as necessidades da minha família em alimentação e moradia.

    Ressalto ainda que atuava sem registro de carteira, por isso estou recebendo auxílio emergencial. Saliento que a empresa a qual prestava serviço conseguiu manter uma ajuda de custo durante dois meses, no entanto foi atingida pelos reflexos negativos da economia.

    Percebo que o impacto da crise seja maior na área de shows e eventos, pois fomos os primeiros a parar com as atividades e, até a presente data, não temos nenhuma previsão de retorno.

    Acredito que a situação contribui para a união das pessoas, pois tivemos a colaboração de profissionais e empresários na angariação de alimentos para beneficiar a classe. Inclusive eu e minha família recebemos cesta de alimentos.

    Wellington Marcelo de Paula, É técnico em áudio há mais de 15 anos

    Sem retorno previsto

    Não há dados sobre o número de pessoas empregadas direta e indiretamente no setor de eventos na região de Rio Preto. Mas elas são muitas, e dependem diretamente do ganho de seu trabalho para manterem suas famílias.

    “Em eventos grandes como o Villa Mix e o Festeja, são cerca de 300 pessoas trabalhando por dia. Na primeira edição do Festeja em Rio Preto [realizada no Estádio ‘Anísio Haddad’ em 2016], chegamos a contratar cerca de 1 mil trabalhadores freelancers”, sinaliza o empresário Douglas Soares da Silva, que atua na oferta de mão de obra para eventos de grande porte, como montadores, seguranças e auxiliares de limpeza.

    “Eu tinha agenda até setembro, entre eventos grandes, casamentos e formaturas. Boa parte foi cancelada. O último evento para o qual trabalhei foi no início do mês de março”, conta Silva, que acabou virando funcionário durante a pandemia da Covid-19. “Estou trabalhando como segurança em órgãos públicos, pois a empresa de segurança que represento na cidade tem bastante contatos nesse segmento. No entanto, os eventos representam a maior fatia desse mercado.”

    Segundo Silva, as lives de artistas da música sertaneja também têm ajudado, mas não conseguem gerar trabalho para todo mundo que está parado. “A saída tem sido contar com a ajuda dos outros. A dupla Zé Neto & Cristiano, por exemplo, fez a doação de cestas básicas para os trabalhadores do setor de eventos. O Centro Social Estoril também doou refeições. Eu mesmo tenho distribuído cestas básicas quando posso.”

    Impostos

    Há mais de duas décadas trabalhando com festas e eventos de vários portes, o empresário Cássio Azevedo Gasparini diz estar preocupado com a forma como irá pagar os impostos de sua microempresa depois que passar o período de congelamento concedido pelo governo. “Consegui jogar para agosto cerca de R$ 10 mil em impostos. No entanto, não estou dando nenhuma nota fiscal. Meu último evento foi no dia 14 de março e, de lá pra cá, não entrou receita em caixa.”

    Gasparini trabalha com toda a parte estrutural de uma festa, como o som, a iluminação, a projeção de imagens, a montagem de palco, a decoração e até mesmo o bufê. “Minha equipe de funcionários fixos é enxuta e estou mantendo com a ajuda concedida pelo governo. Quando essa ajuda acabar terei de demitir se não entrar dinheiro em caixa. Cerca de 70% dos profissionais que trabalho são freelancers, e entre esses muitos estão passando por uma situação bem difícil, precisando da doação de cestas básicas e outros recursos.”

    Para Gasparini, a situação do setor de eventos é preocupante porque não houve uma redução no faturamento, como ocorreu em segmentos como alimentação, saúde ou combustível. “Nós estamos completamente parados e sem perspectivas de retorno. Tudo é muito incerto e gera preocupação. Tenho depressão só de acompanhar os noticiários sobre a pandemia na imprensa.”

    Ações solidárias
    Uma série de campanhas é realizada em Rio Preto e região para ajudar os trabalhadores do setor de eventos. Como a maioria ganha por dia trabalhado, muita gente está sem receber nada desde que começou o período de distanciamento social imposto pela pandemia da Covid-19.

    Entre as iniciativas está a “Ajuda Technical Backstage Rio Preto”, uma campanha que arrecada alimentos para as famílias de profissionais como técnicos e operadores de luz e som, produtores, auxiliares de montagem, seguranças, artistas, entre outros.

    A campanha foi iniciada logo depois que começou o período de isolamento social, contando com a ajuda de várias empresas. Até a semana passada, cerca de 960 produtos alimentícios haviam sido arrecadados. Para muitos, as cestas básicas servem de complemento para o auxílio emergencial que está sendo pago pelo governo federal.

    Outra campanha solidária é realizada pela regional rio-pretense do Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos e Diversões do Estado de São Paulo (Sated), cuja sede virou ponto de coleta de alimentos e produtos de limpeza e higiene pessoal. Em Rio Preto, o Sated funciona na Rua Siqueira Campos, 1794, no bairro Boa Vista.

    A regional do Sated também está mobilizando empresas para fazerem doações. Além disso, há outras iniciativas na cidade realizada por centros culturais e coletivos artísticos, visando ajudar tanto artistas como técnicos.

    Turismo perde dinheiro

    Enquanto a pandemia da Covid-19 pausa o calendário de eventos da região de Rio Preto, muitas cidades perdem recursos que antes eram obtidos por meio do turismo. Entre os eventos cancelados na região está o Rodeio de Mirassol, que movimenta a economia da cidade. A festa chega a injetar R$ 1 milhão na economia mirassolense, além de gerar mais de 800 empregos, entre diretos e indiretos.

    Em Rio Preto, a pandemia do novo coronavírus já afetou a realização do Festival Internacional de Teatro (FIT), cuja 20ª edição será feita somente no ano que vem. O mesmo vale para outros eventos realizados pela Secretaria Municipal de Cultura, como Festival Nacional de MPB.

    Na esperança de que a situação volte ao normal no segundo semestre, alguns eventos tiveram suas datas alteradas. Entre eles está a Festa do Peão de Barretos, cuja 65ª edição estava inicialmente programada para o mês de agosto. A nova data do evento envolve o período de 28 de outubro e 2 de novembro.

    Segundo pesquisa realizada pela Secretaria de Turismo do Estado de São Paulo no ano passado, a Festa do Peão de Barretos atrai um público de 800 mil pessoas, das quais 58% são turistas, que injetam cerca de R$ 900 milhões na economia do município. O gasto individual médio de cada turista, que permanece por pelo menos cinco dias na cidade, é de R$ 2.345, também de acordo com a pesquisa.

    Em Ribeirão Preto, o festival João Rock, inicialmente programado para 6 de junho, teve sua data alterada para 12 de setembro. Até lá, a organização segue com apresentações online em suas redes sociais. Segundo a assessoria de imprensa do festival, a atenção agora está na manutenção do line-up para os três palcos do festival.

    Em Olímpia, palco de um dos maiores eventos do País dedicado ao folclore, o tradicional festival será realizado em novo formato neste ano. Programado para o período de 8 a 16 de agosto, ele ocupará a praça central da cidade, que será palco apenas de apresentações de grupos locais. Convidados do cenário nacional vão enviar vídeos de suas apresentações para a programação.

    A cadeia produtiva do setor de eventos
    1 – Montagem de palco

    2 – Montagem de arquibancadas

    3 – Operação de áudio

    4 – Operação de iluminação

    5 – Cantor, dupla e banda

    6 – DJ

    7 – Segurança

    8 – Limpeza e coleta de recicláveis

    9 – Gerador de energia elétrica

    10 – Banheiros químicos

    11 – Ambulantes

    12 – Produção e comunicação
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